Palinódia, Wanderson Lima

LIMA, Wanderson. Palinódia. Teresina: Elã, 2021.
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PRÓLOGO

Saturado do tempo
E da divindade,
Alado, sagrado,
Fora de mim;
A dor e o medo
meu, e dos outros,
extático a sondar,
Acordei, mil olhos,
Lançado no limbo
Dos vates. Torpe
Inspiração divina
Assanhou-me o estro
E acordou-me o ícone
De um cérbero bondoso
De três faces sofridas:
Maria de Manaus1, devota
que perdeu três filhos;
Jair Pecus, o que adora
O deus guerreiro hebraico;
Sr Torres, cético paladino
engaiolado em Teresina.
Com estes compus o tom
Desta tosca palinódia
Onde lavro o meu canto
– Chuviscado de bíblias,
Eivado de bricolagem –
A buscar a luz que esplende
Do vírus à face do humano.

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NESTA GAIOLA MODERNA

Nesta gaiola moderna
– Cativante cativeiro –
Os dias das horas se perderam
Num tango de desencontros.
Um boa noite pode escapar
No papocar do sol. No breu
sem brisa de Teresina,
Importa pouco a cor da tinta
Que esboça a aquarela
A que chamamos Real.
Tanto pôde o vírus
Que já não bastasse o medo
Trolou nossos relógios
Com o pincel da anarquia.
Em 80m quadrados
De sete mirrados cômodos
Três diferentes seres
Emulam os brancos ratos
Cobaia da pesquisa.
O dia rasteja enquanto
O trio de tolos estoca
A comida no bucho
o sono nos olhos, o medo
e o suor no corpo.
Livre de verdade
Só as memórias
De um tempo de errâncias
Sem a vigília do vírus.

P

Wanderson Lima (Valença-PI, 1975) é professor universitário e escritor. Doutor em Estudos da Linguagem pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, integra o Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGL) da Universidade Estadual do Piauí – UESPI. Em 2018 publicou pela editora Horizonte a obra Travessuras de um menino mau e outros ensaios sobre animação; no ano seguinte, pela mesma casa editorial, publicou Ensaios sobre literatura e cinema. Por dez anos, foi editor da revista Desenredos, da qual é membro-fundador.

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