Amálgama entrevista Paulo Machado e Francisco Miguel de Moura

Entrevista publicada originalmente na revista Amálgama, número 3, em maio de 2002. Na foto, Adriano Lobão Aragão, Sérgio Batista, Francisco Miguel de Moura, Paulo Machado e Jeferson Probo.
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Paulo Henrique Couto Machado nasceu em Teresina, Piauí, em 1956. Defensor público. Poeta e contista, pertence à Geração Pós-69. Na década de setenta, fez política estudantil e editou, ao lado de companheiros de geração, o jornal mimeografado ZERO. Integrou o grupo responsável pela edição do jornal alternativo Chapado do Corisco, em 1976 e 1977, em Teresina. Atualmente, participa da edição da revista Pulsar. Publicou Tá Pronto, Seu Lobo? e A Paz no Pântano, poesia; O Anjo Proscrito, contos; As Trilhas da Morte, ensaio sobre a matança e espoliação das populações indígenas na bacia hidrográfica parnaibana piauiense.

Francisco Miguel de Moura nasceu a 16 de junho de 1933, em Francisco Santos, Piauí. Pós-graduado em Crítica de Arte pela Universidade Federal da Bahia, em Salvador. Funcionário aposentado do Banco do Brasil. Membro da Academia Piauiense de Letras, do Conselho Estadual de Cultura e da UBE. Dirigiu a revista Cadernos de Teresina por algum tempo e ditou a revista Cirandinha, ambas de feição literária. Dentre seus livros, destacamos Areias, Pedra em Sobressalto, Bar Carnaúba e Poesia in Completa, poesia; Os Estigmas, Laços do Poder e Ternura, romances; Eu e meu Amigo Charles Brown, contos; Linguagem e Comunicação em O. G. Rego de Carvalho, ensaio.

Numa tarde de sábado, 13 de abril de 2002, Amálgama recebeu os dois escritores para uma entrevista com Jeferson Probo, Adriano Lobão Aragão e Sérgio Batista. Confira.
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amálgama – O que é poesia para vocês?

Francisco Miguel de Moura – Hoje, eu já considero a poesia a própria vida, porque minha vida sem poesia não tem sentido. O que eu vou fazer sem poesia? Eu não sei o que iria fazer, talvez até me matar, não sei. E o resto é mais nada. Eu sou radical nesse ponto. Para um leitor, eu acho que a poesia é uma maneira de se auto-examinar, de se auto-criticar, de se auto-pensar e também de resolver certos sentimentos que se não forem resolvidos acabam até prejudicando fisicamente. Já nem falo espiritualmente porque é verdade que prejudica. Acho que é a mais bela e importante forma de comunicação do homem.

Paulo Machado – Literariamente, eu entendo que a poesia é a arte de expressão mais carregada de emoção. Que isso não seja entendido que a poesia necessariamente só pode estar presente na literatura ou mais restritamente em quem escreva em versos. Ela pode estar presente em quem escreva em prosa, e há poesia também em outras manifestações artísticas que não seja a literatura. Acho que é possível identificar a poesia numa escultura, numa pintura, em uma manifestação arquitetônica…

amálgama – Então a poesia seria uma essência, e não uma forma?

Chico Miguel – Aí eu contesto, porque a poesia também é forma. Eu acho que nesse caso a gente nem pode separar a forma do conteúdo. Quando você muda a forma, muda o conteúdo. Quando você muda o conteúdo, tem que mudar a forma. Só muito preliminarmente, didaticamente, você pode colocar essa coisa de forma e conteúdo em obras de arte, principalmente na obra de arte da qual nós estamos falando, que é a poesia.

Paulo Machado – Eu não coloquei naquele momento que a poesia fosse essencialmente o aspecto de conteúdo. Até lembro aqui as palavras de Torquato [Neto], que diz que um poeta não se faz com versos. Não é fazer versos que necessariamente se está operando a condição de poeta. Também Maiakovski, que diz que uma arte revolucionária tem uma forma revolucionária. Mas eu só estava expondo um ponto de vista no que diz respeito à poesia enquanto arte literária.

amálgama – Chico Miguel, nas produções poéticas recentes, como o senhor vê a motivação do soneto hoje em dia?

Chico Miguel – Fica aquela anedota que diz que o poeta que não faz soneto ainda não está provado ser poeta. É apenas uma brincadeira, é lógico, é natural. Mas quero dizer que o soneto é muito difícil. Se você quer provar que um cara é alguma coisa, manda ele fazer um soneto. Você consegue, qualquer pessoa consegue, se tiver uma noção mínima do que seja o soneto. Agora, para fazer um bom soneto é muito mais difícil. Primeiro, as pessoas dizem que não existe inspiração. Existe! Precisa-se estar inspirado. Mas inspiração não é naquele sentido de que a inspiração seja tudo…

amálgama – Inspiração é quando baixa um santo?

Chico Miguel – Não, não é isso de jeito nenhum. Inspiração é você estar de espírito aberto para a poesia. É uma coisa bem diferente. Se você está com inspiração, você pode fazer um soneto. Você pode depois burilar esse soneto, que é a técnica.

Paulo Machado – A poesia grega é inegavelmente uma grande poesia ocidental e não há nela a expressão sobre a forma fixa do soneto…

Chico Miguel – Não, porque já foi do italiano. Essa forma fixa nasceu no Renascimento.

Paulo Machado – A poesia oriental, e nós talvez temos muito ainda o que aprendermos com os orientais, em nenhum momento se definiu pela experiência do soneto. Em contrapartida, lá também existem formas fixas com definição de números de versos, e cada verso com determinados números de sílabas, como o haikai. Acho que é uma experiência de disciplinamento. Há um momento na poesia brasileira que houve uma predominância de pessoas procurando fazer poesia escrevendo o que eles entendiam ser soneto. Então daí uma abundância de sonetos que, se nós formos fazer uma seleção, são poucos, muito poucos os que ficam. Mas nós não temos também como repudiar, por exemplo, vários sonetos escritos por Bilac, por Alberto de Oliveira, por Francisca Júlia, que são obras literárias que devem constar em qualquer apologia. Eu lembro aqui a experiência de Mário Faustino. Em O Homem e Sua Hora, antes do poema que dá titulo ao livro, existem os sete sonetos de amor e morte, que são peças literárias de inquestionável valor.

Chico Moura – Tenho muitos colegas que dizem não querer nem ver soneto… Não é assim. Não podemos ser assim.

Paulo Machado – É inegável que há uma certa receptividade da sociedade brasileira para a identificação com o soneto.

amálgama – Paulo, no lançamento da segunda edição de seu livro, Tá Pronto, seu Lobo?, o editor, Cineas Santos, mencionou a ausência de uma herança cultural das gerações anteriores em relação à de vocês. Ele poderia estar se referindo ao CLIP [Círculo Literário Piauiense, onde destacaram-se Chico Miguel, Herculano Moraes e Hardi Filho]? Como você vê esse relacionamento?

Paulo Machado – A própria história literária prova um relacionamento estabelecido num momento inicial. Em 1976, quando foi feita a edição de um livro de poemas chamado Ciranda, dos seis poetas editados, dois pertencem ao CLIP. A própria capa foi feita pelo Hardi Filho. Os dois participantes eram exatamente Francisco Miguel de Moura e Hardi Filho. O questionamento que o Cineas fez naquele dia, e eu, como participante da geração também faço, é que quando olhamos para trás e buscamos o referências e pontos de apoio que poderiam servir para um avanço, e estou tratando especificamente da questão piauiense, nós estávamos diante de quase uma lacuna, porque eu considero que nenhuma de nossas gerações conseguiu suplantar para realização da geração que fundou a Academia Piauiense de Letras. É uma geração que deixou toda uma produção, tanto literária quanto de pensamento, que precisa urgentemente que se lute por organizá-la e torná-la pública, pois é uma produção vasta e dispersa.

Chico Miguel – Eu escrevi um livro chamado Literatura do Piauí, então como eu coloco essa questão lá, não posso me contradizer. Sobre a Geração 70, tem gente que chama Geração Pós-69, mas eu chamo 70…

Paulo Machado – Eu defendo o termo Geração Pós-69, por razões estéticas, históricas e…

Chico Miguel – Eu não tiro nenhuma de suas razões, apenas eu fico com 70, já que é da mesma coisa que nós estamos falando. Mas a nossa Geração CLIP, que praticamente se fixou com a minha chegada em Teresina em 64, já que encontrei aqui o Herculano Moraes e o Hardi Filho, o que nós tínhamos era a estagnação. O que havia em Teresina? O. G. Rego de Carvalho tinha ido para o Rio, Paulo Nunes para Brasília, Dobal estava para o Rio ou Inglaterra, não sei. O que tinha aqui? Tinha Fontes Ibiapina, autor isolado, tinha Miguel de Matos, que apenas divulgou literatura, seria até um bom crítico se tivesse se dedicado. Tinha a Academia, mas estava meio morta, com Simplício Mendes na direção. E nós, interessadíssimos em literatura, nos juntamos e fomos arrebanhando, batendo papo, contando piada, então nós juntamos pessoas interessadas, que faziam poesia, fizemos um estatuto e um jornal que só saiu um número. Mas nós nos reuníamos todos os domingos, Geraldo Borges, Benoni Alencar, outras pessoas. Aí vieram aquelas repressões terríveis, aquelas coisas que ninguém quer nem falar hoje. Geraldo foi preso, Benoni foi preso, Diogo foi preso, não sei quem foi preso. Eu não fui porque não me expunha demais. E aí foi dispersando, dispersando e não tinha mais ninguém junto, todo mundo disperso. Foi quando outras pessoas, dentro da repressão, saiam nos bares, aquele negócio todo, e veio o Torquato Neto e deu entrevista, eu publiquei na revista, depois que eu fiz a revista chamada Cirandinha, que o Paulo Machado também participou dela. Então a nossa geração foi mais ou menos isso. Nós não éramos nem contra a Academia e muito menos contra os jovens. Nós queríamos era que aparecesse mais gente. Para mim era isso.

Paulo Machado – Na verdade, os últimos remanescentes da geração de fundação da Academia falecem na década de 40, a Academia caiu nas mãos de pessoas que, sejamos francos, não tinham identidade nenhuma com o fazer cultural e nem com o fazer literário. Estavam lá, foram eleitos e empossaram-se, e essa lacuna vai exatamente fazer com que não haja esperança.

Chico Miguel – Essas questões de geração têm que ser conflituosas, como são conflituosas as pessoas.

Paulo Machado – Onde não existe conflito não existe vida.

Chico Miguel – Eu nunca briguei por literatura para levar aquela briga para o terreno pessoal. Então, quando eu discordo do Paulo, quando o Paulo discorda de mim, quando o Cineas discorda de mim, quando eu discordo do Cineas, não significa nada não. Continuamos fazendo a mesma coisa e lutando pela mesma coisa. Isso é que é importante.

amálgama – Como vocês vêem o estudo literário feito atualmente no Piauí?

Chico Miguel – O nome de João Pinheiro [autor de Literatura Piauiense, escorço histórico] deve ser respeitado pelo que ele fez. Era o que tinha de teoria, história e literatura naquele tempo. Era o que tinha de literatura do Piauí e não podia ser melhor do que aquilo. Ele foi muito bom até. Tem só alguns errinhos normais. Agora, o que foi que apareceu depois dele? Herculano Morais com um livro que eu considero o melhor dele em crítica literária, a Nova Literatura Piauiense, embora tenha uma certa conotação com a Nova Literatura, do Assis Brasil. Mas eu considero muito importante porque ele foi muito corajoso em criticar determinados autores. É um livro de críticas, um livro importantíssimo da nova literatura, ele não quis reeditar, mas depois ele escreveu a Visão Histórica da Literatura Piauiense. Aí então já mudou, porque é aquela tal estória de escrever um livro para agradar fulano, botando pessoas para agradar a família ou qualquer coisa assim. Então, o Herculano pecou principalmente nessa parte e também numa coisa que ele não teria muita possibilidade de progresso, que é a questão da formação. Ele tem formação jornalística, não tem formação de professor de literatura, essa coisa toda, teoria e tal. Então esses são os pecados do Herculano Morais. Mas é uma coisa que serve, é uma coisa importante. Estou fazendo a crítica, mas estou fazendo também dentro de um parâmetro que eu considero normal. Você não pode só meter o pau numa obra sem ver que quase toda obra tem alguma coisa importante a dizer.

amálgama – Quem você citaria, após o Herculano?

Chico Miguel – Depois veio o Adrião Neto [Literatura Piauiense para Estudantes], que faz uns livros para estudantes, naturalmente para ganhar dinheiro. Naturalmente, eu não condeno. Quem vive numa sociedade capitalista faz as coisas para ganhar dinheiro. Se não ganhar é por que não ganhou. Mas ele não tem aquele estorvo, digamos assim, teórico, básico, para fazer. Então o que ele fez foi copiar muita coisa, mas tem sua serventia. O Romero [Presença da Literatura Piauiense em Concursos e Vestibulares], que poderia ter escrito uma boa história da literatura, não escreveu. O livro dele serve apenas para aulas. São importantes, a seleção que ele fez é importante. Todas essas coisas serviram de base, inclusive o Adrião e o Romero, todas elas me deram algum elemento, positivo ou negativo. O que eu quero dizer com isso? Quero dizer que eu escrevi um livro de literatura do Piauí que pode não ser o melhor, mas eu tentei fazer com que fosse o melhor.

Paulo Machado – Eu entendo que qualquer literatura, para que subsista como tal, necessita ter um sistema literário que se compõe dos autores, que produzem a literatura, do crítico literário, que faz a apreciação analítica de possíveis valores identificados no que foi produzido, e do leitor, do consumidor. Se eu produzo, e o que eu tenho a produzir não passa por um crítico de análise, ou mesmo que passe por um crítico de análise, mas não chegue ao leitor, essa literatura é incompleta. Então a partir desse ponto de vista, e fazendo uma retrospectiva, o que eu consegui reconstituir até agora foi que num primeiro momento existiam autores isolados que produziram, as suas obras foram editadas, mas nunca no Piauí, e se a gente pega como referência, só como marco cronológico, Poemas, de Ovídio Saraiva, foi o primeiro livro editado por um piauiense. O Ímpio Confundido e O Santíssimo Milagre, de Leonardo de Carvalho Castelo Branco, foram editados em Lisboa, e A Criação Universal foi no Rio de Janeiro. Flores da Noite, de Licurgo de Paiva, em Recife. Ecos do Coração, depois reeditada como Lira Sertaneja, de Hermínio Castelo Branco, no Maranhão. Então o que nós tínhamos? Autores esforçados na edição dessas obras, mas não existia a figura do crítico literário para desempenhar o papel de avaliação…

Chico Miguel – Aí eu discordo de você…

Paulo Machado – … e nem a figura dos possíveis leitores. Eu não estou considerando, por exemplo, que sejam leitores aqueles que tinham relação de parentesco ou de amizade que pudessem adquirir essa obra por circunstâncias dependentes disso, mas sim um leitor que fosse motivado a adquirir a obra por necessidade de consumir cultura. Nesse período, que decorre desde meados do século XIX até a virada para o século XX, o que se tem é isto. Não há a presença do historiador literário. Mas na virada do século, logo nos primeiros anos do século XX, as mudanças que eu consegui identificar são que a produção literária feita por piauienses já começava a ser editada no Piauí, começa a surgir a figura dos críticos literários e eu presumo que já existissem alguns leitores, embora fossem poucos. Há uma produção de crítica literária e de literatura nas duas primeiras décadas do século XX que está esparsa em jornais e revistas e que não foram resgatadas. Por exemplo, há contos realistas numa transição entre o realismo/naturalismo de boa qualidade literária, escritos por Clodoaldo Freitas, que estão editados numa revista chamada Litericultura. Essas revistas estão no acervo da Casa Anísio Brito, aqui no Estado do Piauí.

Chico Miguel – Por incrível que pareça, eu soube que uma boa parte dessas revistas já se perderam.

Paulo Machado – Mas, há bem pouco tempo, eu as manuseei e os embargos correspondentes dessas edições estão disponíveis. Existe um jornal chamado O Artista, de 1902, onde um capítulo do romance Um Manicaca, que só viria a ser publicado em 1909, já estava editado. Em 1905, no Jornal A Pátria, foi editado um romance completo na forma de folhetim, de cunho memorialista, de autoria do Clodoaldo Freitas. Chama-se Memórias de um Velho. E essa literatura não foi recolhida ainda, não foi editada para ser colocada para análise. Ela existe, está nessas fontes, nem tão perdidas assim, porque na verdade parece que o que não houve ainda foi uma decisão de se formar um grupo de estudo para buscar identificar essas fontes, analisá-las, avaliá-las e publicá-las. Elas têm que se tornar públicas. Inclusive, o Professor João Pinheiro é o primeiro historiador de literatura brasileira de expressão piauiense com livro publicado, mas não é o primeiro. Eu lembro aqui de dois antecedentes: Clodoaldo Freitas, que escreveu uma série de artigos analisando a produção literária, …

Chico Miguel – Que é uma das minhas fontes.

Paulo Machado – … e um estudo razoavelmente vasto escrito por Lucídio Freitas sobre a história da poesia piauiense. Esse trabalho está numa organização feita por Celso Pinheiro, que organizou as obras completas dos dois irmãos, Lucídio Freitas e Alcides Freitas…

Chico Miguel – Eu queria voltar àquela questão que diz respeito à literatura do Piauí, a partir de quando nós podemos identificar como fenômeno literário. Na minha visão, a partir do ano 1870, nós já podemos identificar o fenômeno literatura no Piauí. Por quê? No meu entendimento, já há leitores. Dentro das condições do Estado, lógico, mas já há leitores. Relativamente já existem algumas escolas, e relativamente existem também jornais. Depois da mudança da capital de Oeiras para Teresina houve um fluxo de tipografias, livros se produziam aqui.

Paulo Machado – Eu só estava colocando que essas obras, a que fiz referência, foram editadas fora, não apenas pela inexistência gráfica no Piauí, mas também por pessoas que tinham interesse da edição tipográfica fora do Estado. Existiram os autores, mas eu não consigo identificar a existência do crítico literário como avaliador, e um público que satisfizesse a produção, porque a produção terminava circulando num círculo muito pequeno.

amálgama – O.G. Rego de Carvalho, numa entrevista, declarou que o autor que não pertença à literatura brasileira não pertenceria a literatura alguma.

Chico Miguel – Quem disse isso?

amálgama – O . G. Rego de Carvalho.

Chico Miguel – Eu acho que o autor, para ser brasileiro, tem que ter a condição de ser um autor que tenha o nível dos grandes autores da literatura brasileira. A questão de ser divulgado pelo Brasil inteiro é uma questão de editora, que não tem nada a ver com literatura, mas com marketing comercial.

Paulo Machado – Eu entendo que existam literaturas nacionais. Eu não entendo nem que seja possível considerar a existência de uma chamada literatura regional, a literatura do norte, a literatura do sul, literatura do sudeste, do nordeste, considerando que o território a ser levado em consideração é o do Brasil. Então existe a literatura nacional, independente de onde quer que o autor tenha nascido, onde ele tenha vivido, onde ele venha a morrer. Existem inúmeros casos de autores que foram exilados e deixaram de estar dentro de seu território nacional e por essas razões não deixaram de ser autores nacionais.

Chico Miguel – Aí eu concordo. É o que ele escreveu, não onde ele está nem onde nasceu. É onde ele escreveu.

Paulo Machado – Retomando a minha ideia, nós estamos tratando de literatura, uma arte de se expressar através da língua. Essa língua deve ser uma língua nacional, com suas variações…

Chico Miguel – Justamente! Essas variações é que dão feição às literaturas regionais.

Paulo Machado – … com suas variantes dialetais e com os enfoques paisagísticos naturais e humanos de cada região, são reconhecidas como obras literárias e passam a ser obras da nação brasileira e os autores são autores brasileiros. Então, Graciliano Ramos é um autor brasileiro não porque ele tenha feito um enfoque voltado para a região nordeste e a paisagem e o homem nordestinos estejam presentes na obra de Graciliano, ou a língua portuguesa de expressão brasileira, trabalhada em termos de linguagem, tenha conseguido a identificação na forma de se expressar dos nordestinos. É uma obra nacional porque conseguiu chegar ao patamar de alcançar literariamente o Brasil, assim como Guimarães Rosa, com diversos outros autores. Eu compreendo as posições de O.G. Rego como positivamente radicais em determinados momentos, mas têm sido de ótima contribuição que a gente tenha conseguido progredir. O que faz com que O. G. seja um autor nacional é a qualidade da obra, e por isso, Francisco Miguel, é que defendo o mesmo ponto de vista em relação a Mário Faustino. Ele nasceu em Teresina, e sua migração para Belém do Pará não foi voluntária. Eu defendo didaticamente que seja positivo para nós a inclusão do Mário como autor piauiense.

Chico Miguel – Eu acho que cada qual tem seu ponto de vista, e o meu já está em livro [Literatura do Piauí]. O.G. Rego de Carvalho, para você ter uma idéia como ele é contraditório, ele escreveu Somos Todos Inocentes para mostrar que era autor piauiense. Mas isso são questões de menor importância, digamos assim. O que importa mesmo é a literatura. Se a gente for radical mesmo, não existe nem literatura brasileira. Existiria apenas literatura ocidental. É tudo uma questão de ponto de vista.

amálgama – Paulo, quem é o lobo?

Paulo Machado – O título do livro, Tá Pronto, Seu Lobo?, como não poderia deixar de ser, é uma criação metafórica. Qualquer leitor que proceda a uma leitura apurada dos poemas que constituem o livro irá identificar uma pista, exatamente no poema Postulado, onde está dito que: fazer poemas é fácil / como amordaçar um lobo. Eu não estou tratando do lobo mamífero. Todas as dificuldades criadas pelas estruturas de poder, inclusive as estéticas, precisam ser desafiadas por quem se dispõe realmente a fazer poesia. Acho que não precisa nem explicitar que fui irônico quando disse que é fácil fazer poemas, e quem faz sabe que não é, e muito menos colocar uma mordaça no lobo.

amálgama – Como o senhor vê a inclusão de seu livro na lista de obras adotadas para o Vestibular 2003 da Universidade Federal do Piauí?

Paulo Machado – A inclusão ou não de uma obra literária em qualquer lista, de qualquer tipo de exames, tem uma única coisa positiva. Talvez seja a questão de foco e que determinado grupo de consumidores, leitores, que no caso seriam involuntários, porque não estariam fazendo opção, teriam suas atenções voltadas num determinado momento para aquela obra. Mas a receptividade da obra não vai depender disso. Portanto, eu não considero que seja mais nada do que isso. Há um enfoque transitório, mas o livro, obviamente, não permanecerá eternamente na lista, independente do valor que tenha.

amálgama – Mas, de qualquer forma, não seria um reconhecimento do valor de sua obra?

Paulo Machado – Eu não sei. Nunca me foram explicitados quais os critérios utilizados, nem quais as pessoas que procederam à escolha. Não sei se foi por estar bastante emocionado, mas me surpreendi, no momento do relançamento do livro, por não ter conseguido identificar entre os presentes nenhum representante da UFPI, ligado ao Departamento de Letras, que possa ter indicado a obra para o Vestibular.

amálgama – Chico Miguel, a Academia Piauiense de Letras exerce alguma função social aqui em Teresina?

Chico Miguel – A Academia tem que se cuidar para não ficar ultrapassada. São questões financeiras, questões de mudança dos tempos, e o principal é criatividade. Mas a criatividade depende dos homens que fazem a Academia. Isso tudo é cíclico, porque a economia também é cíclica, o mundo está numa mudança terrível. Mas acho que a Academia vai se superar. Acho que tem condições de superar.

amálgama – A Academia não estaria, nesse momento, iniciando um processo de estagnação semelhante àquele da geração que sucedeu a geração de sua fundação?

Chico Miguel – Eu vejo que sim, mas quero acreditar que não.

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Poemas insidiosos, Caio Negreiros

NEGREIROS, Caio. Poemas insidiosos. Teresina: Fundação Quixote / Avant Garde Edições, 2012

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um ipê
no meio do tempo
sorri para a solidão

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longe dos olhos
a nuvem desfia
o milagre das águas

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Caio Negreiros é ex-atleta aposentado compulsoriamente. Estuda música com sucesso duvidoso. Poeta e Procurador do Município de Teresina. É autor dos livros: A decadência das horas, Portal do Hades e Sobras do dia (Edições Não-Ser).

As cinzas as palavras, Adriano Lobão Aragão

ARAGÃO, Adriano Lobão. As cinzas as palavras. 2.ed. Teresina: Desenredos, 2014.

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ENTÃO

em perene forma permanece em idade e fortuna
tudo que no tempo não muda nem tempos nem vontades
nem mentira nem verdade penetra a forma profunda

somente em mim depositou-se irrelevante mudança
talvez desnecessária dança que o cair das folhas trouxe
talvez inseto da noite que de seu brilho descansa

quem sabe silêncio de outrora agora outra hora propaga
antes de ilusão inata à matéria apurar sua volta
em perene forma precisa mas dispersa inexata

somente em mim depositou-se irrelevante reverso
de não mais crer nos versos dessa inútil lira agridoce

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AS CAPAS OS DISCOS

ontem eu vi o disco da vaca à venda na galeria
onde há muito naqueles campos estranhos me perdi
entre os riscos do vinil motocicleta e sinfonia

ontem eu vi um velho em um quadro carregando lenha
adornando em parede destroçada a capa de um álbum
e a iluminada escuridão de um dirigível de chumbo

ontem eu vi o álbum branco que depois de muitos anos
pude perceber as matizes dispersas de suas cores
e seu discreto nome de besouro impresso em relevo

mas há muito dispostos em silêncio seus sons evocam
sonora imagem retida na retina da memória

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Adriano Lobão Aragão nasceu em Teresina, 1977.  Autor, dentre outros, de Entrega a própria lança na rude batalha em que morra (poemas, 2005), Yone de Safo (poemas, 2007) e Os intrépidos andarilhos e outras margens (romance, 2012). A segunda edição de As cinzas as palavras mantém o texto original da primeira edição, lançada em 2009 e que contou com uma tiragem limitada de apenas 80 exemplares.

Pedra em sobressalto, Francisco Miguel de Moura

MOURA, Francisco Miguel de. Pedra em sobressalto. Rio de Janeiro: Pongetti, 1974.
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SECO

Nos dentes francos,
nos olhos úmidos,
o poema esmaga-se.

E morre comigo
o tentado desfeito,
na raiz esquálida.

(Se não floresce
na terra lavada
do sangue dos homens).

Das rugas e fráguas
nascem mil poemas.

Na poeira, crescem
da nuvem do rosto.

Vão permanecer.

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MOMENTO

Muito azul no dia,
tudo existe em mim,
sem expressão.

Orvalho,
manhã firme,
aves nos ramos,
flores virgens, cores:
– Jogo os braços no ar.

A flor mais simples,
mirando o sol,
vai desprendendo
______perfume,
__________pela clareira.

Naquele instante
o céu diminuiu.

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Francisco Miguel de Moura nasceu em Picos, PI, em 1933. Publicou as obras Areias (poemas, 1966); Linguagem e comunicação (reunião de ensaios sobre a obra do romancista O.G. Rego de Carvalho, 1972).

As medicinas, Sebastião Edson Macedo

MACEDO, Sebastião Edson. As medicinas. Rio de Janeiro: Oficina Raquel, 2010.

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UMA ABÓBADA IMPORTANTE

para quem tinha enormes montanhas postas em movimento
e zelava os contrafortes do amor
é estranho que abrevie na boca a imensidão do tempo
esse tempo roxo sem tamanho algum

porque já habitam árvores de páginas muito incertas
as difusas velocidades da dor
e é provável que vocês nunca mais façam os olhos
desses olhos queridos ao longo do céu

para quem tinha acabado de perceber o atrevimento da morte
hora de atrelar um carro ao boi

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DOIS ACASOS TRÊS

esperei muitas folhas caírem pela tua aparição em meu correio
diminuí os olhos risquei ofertas de quarto e sala e foram ruas
com pessoas de toda sorte desaparecendo em teu nome tão pequeno

não sou capaz de precisar o que escapou das iscas na minha sede
nem mesmo o meu cabelo cortado ou não e a alameda esta tarde
que tomei sem acaso para evitar o desconto dos teus compromissos
posto como uma vida real entre outras vidas num recomeço decerto

sei que fica repleta a hipótese da alegria remota a próxima estação

por isso persiste diante de mim a árvore de tua serena mensagem
simples como conviria a uma última caminhada junto até a condução

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Sebastião Edson Macedo nasceu em Floriano, interior do Piauí, em 1974. Publicou Para apascentar o tamanho do mundo (Oficina Raquel, 2006) e Cego puro(UFRJ/FL, 2004).

Ares e lares de amores tantos, Dílson Lages Monteiro

MONTEIRO, Dílson Lages. Ares e lares de amores tantos. Teresina: Entretextos, 2014.

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ROUPA NOVA

Acordo a madrugada
e repouso em mim a noite que dormiu
demais
para despertar a manhã
e vestir-me de céu.

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REMÉDIO PARA RESSACA

A mulher de vermelho
molha as flores da passarela
e resgata o passo do pássaro
na manhã embriagada.

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Dílson Lages Monteiro nasceu em Barras do Marathaoan, PI, em 1973. Professor, poeta e romancista. Publicou, entre outros, Colmeia de concreto (poemas, 1997); O sabor dos sentidos (poemas, 2001); Texto argumentativo – teoria e prática (didático, 2007); O morro da casa-grande (romance, 2009); O rato da roupa de ouro (infantil, 2013).

Os gatos quando os dias passam, Thiago E

E, Thiago. Os gatos quando os dias passam. Rio de Janeiro: 7Letras, 2021.

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Compasso |

talvez | por amor à música
teria a gata | uma pauta
:
compor | só os sons necessários
ser a duração da pausa |

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Os gatos quando os dias passam

[ segunda ]
a gata
só ama com as unhas:
o afeto destrói
alguns móveis da sala.

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[ terça ]
coração selvagem:
chega
pisa
pesa
azunha –
felinos ferem para confiar

*

[ quarta ]
noite quente:
um gato deitado
no teto do carro.

a leitura
dura
um pulo!

Gatos são haikais?

*

[ quinta ]
poemas de pelos:
a leitura
dura
um pulo –

gatos ou haikais?

*

[ sexta ] às 7h15
sofá no monturo:
de bruços
a gata da rua
faz sala pro mundo

( às 14h )

das patas
das gatas
surgem agulhas:
máquina de descostura

*

[ sábado ] tanka às 17h
a gata boceja
estirada
no meu colo:
um rabo-de-tesoura
corta o céu da tarde

*

[ domingo ]
shhh… felinos dormem
setenta por cento
do tempo:
realidade e sonho
o gato não separa

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Thiago E nasceu em Teresina, Piauí. É filho da Neide e do Zorro. Publicou Cabeça de sol em cima do trem (disco e livro). Foi um dos criadores da revista Acrobata. Integrou por 12 anos a banda Validuaté, com a qual lançou os álbuns Pelos pátios partidos em festa; Alegria girar; Este lado para cima; e Validuaté ao vivo.

Quando todos os acidentes acontecem, Manoel Ricardo de Lima

LIMA, Manoel Ricardo de. Quando todos os acidentes acontecem. Rio de Janeiro: 7Letras, 2009.

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AREIA

a água dorme no fundo
da casa, mas tudo dorme
no fundo da casa, se uma
esfera de papéis
avulsos, o grampo do fundo
da esfera desfeito

o exílio encostado ao lado
da janela, uma ou
duas árvores, alguém conversa
o tempo inteiro e fala alto
sobre desertos sem
qualidade –
uma linha muda, um vinco
no chão

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ESBOÇO

um caderno aberto sabe,
é raspa e fresta, sargaço e
poeira ranheta. dobrar com
muita força o buraco de cupim
no centro da mesa

gosto muito da palavra cascalho

miséria e alegria de chuva, o cheiro
desta poeira ranheta molhada
no meu rosto

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Manoel Ricardo de Lima nasceu em Parnaíba, PI, 1970. É professor de literatura e doutor em teoria da literatura (UFSC). Publicou Embrulho (7Letras), Falas inacabadas, com Elida Tessler (Tomo Editorial), Entre percurso e vanguarda – alguma poesia de P. Leminski (Annablume), As mãos (7Letras), Outra manhã, com Aníbal Cristobo e Eduardo Frota (Dragão do Mar), As mãos / The hands, com tradução de Sérgio Bessa (Lumme Editor) e 55 começos (Editora da Casa). Organizou as coletâneas A nossos pés (Editora da Casa / Dantes Editora) e A visita, com Isabella Marcatti (Barracuda). Coordena a coleção Móbile, de mini-ensaios (Lumme editor), e a série Alpendre de poesia, com Carlos Augusto Lima (Editora da Casa). Bolsista de Pós-Doutorado, CNPQ, com pesquisa sobre Joaquim Cardozo e Mário Faustino.

Cabeça de sol em cima do trem, Thiago E

E, Thiago. Cabeça de sol em cima do trem. Teresina: Corsário, 2013.

MURO
s.m.
 
o que há dentro do muro não é assim tão bruto ; um pensamento sofre na argamassa que lhe cobre ; angústia o muro sente, desde antigamente : é cego todo sempre e só sabe apartar gente. há pouco ouviu do chão, com voz de escuridão, que existem as paredes – rijas tal qual ele ; a diferença é que elas têm uma janela, e assim, pela janela, a parede enxerga. janela é uma abertura – não dói, não sutura ; buraco sem reboco movendo-se no corpo ( se a obra tem janela, parede é o nome dela ) cimento e cal sem furo julgam ser um muro. o muro, truvo e mudo, pensa e pensa em tudo : sair daquele escuro e ver a luz do mundo, deixar de ser um muro abrindo em si um furo ainda que esse corte lhe tombe à nula sorte – não sabe como, ainda, mudar a sua química ( rejeita a vil certeza de não ter vista acesa ) deseja em seu chapisco, sim! correr o risco de ter a pele aberta e sentir o que é a janela ; e mesmo sem saber como vai ser outro ser, o muro quer saída, mudar, mover a vida – quer nem que seja a ida da simples dobradiça ; ou algo do porvir que lhe tire deste aqui

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s.f.
a língua é um triste molusco, chora um pranto negro e escuro ( molusco triste é essa língua ) lembra e lambe sua dor fina ; dentro da boca, tal molusco chora a falta do seu casco : quer de volta o tempo justo, voltar pra lenda do passado ; lenda velha, antes da boca, tinha concha e casa, escudo e força, mas, num mistério da matéria perdeu a parte mais eterna – se fez só língua e se desintegra ; a língua é um triste molusco já sem esperança, no escuro, de reaver seu casco, ter futuro, resigna-se com riso de chumbo ; como lhe resta ser mesmo língua, linguagem motor – sempre e ainda – é na boca pá e palavra ( fala igual como quem cava ) cava com o corpo um liso assoalho – chão de carnes gêmeas, molhado, buscando na cabeça o antigo casco : roupa e casa, escudo e agasalho ; a língua é um triste molusco, já não sabe se é carne ou um soluço – sem concha, se reinventa no escuro – sem cara, existe feito um espectro espasmo movimento um obgesto

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Thiago E, músico em reabilitação labiríntica, professor com problemas de visão, gago integrante da banda Validuaté, com a qual lançou dois CDs: Pelos pátios partidos em festa (2007) e Alegria girar (2009). Com o grupo Academia Onírica, editou zines, o CD Veículo q.s.p. e a revista AO (2010 a 2012). Lançou o CD de poesia Cabeça de sol em cima do trem (2013).