Os gatos quando os dias passam, Thiago E

E, Thiago. Os gatos quando os dias passam. Rio de Janeiro: 7Letras, 2021.

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Compasso |

talvez | por amor à música
teria a gata | uma pauta
:
compor | só os sons necessários
ser a duração da pausa |

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Os gatos quando os dias passam

[ segunda ]
a gata
só ama com as unhas:
o afeto destrói
alguns móveis da sala.

*

[ terça ]
coração selvagem:
chega
pisa
pesa
azunha –
felinos ferem para confiar

*

[ quarta ]
noite quente:
um gato deitado
no teto do carro.

a leitura
dura
um pulo!

Gatos são haikais?

*

[ quinta ]
poemas de pelos:
a leitura
dura
um pulo –

gatos ou haikais?

*

[ sexta ] às 7h15
sofá no monturo:
de bruços
a gata da rua
faz sala pro mundo

( às 14h )

das patas
das gatas
surgem agulhas:
máquina de descostura

*

[ sábado ] tanka às 17h
a gata boceja
estirada
no meu colo:
um rabo-de-tesoura
corta o céu da tarde

*

[ domingo ]
shhh… felinos dormem
setenta por cento
do tempo:
realidade e sonho
o gato não separa

p

Thiago E nasceu em Teresina, Piauí. É filho da Neide e do Zorro. Publicou Cabeça de sol em cima do trem (disco e livro). Foi um dos criadores da revista Acrobata. Integrou por 12 anos a banda Validuaté, com a qual lançou os álbuns Pelos pátios partidos em festa; Alegria girar; Este lado para cima; e Validuaté ao vivo.

Cabeça de sol em cima do trem, Thiago E

E, Thiago. Cabeça de sol em cima do trem. Teresina: Corsário, 2013.

MURO
s.m.
 
o que há dentro do muro não é assim tão bruto ; um pensamento sofre na argamassa que lhe cobre ; angústia o muro sente, desde antigamente : é cego todo sempre e só sabe apartar gente. há pouco ouviu do chão, com voz de escuridão, que existem as paredes – rijas tal qual ele ; a diferença é que elas têm uma janela, e assim, pela janela, a parede enxerga. janela é uma abertura – não dói, não sutura ; buraco sem reboco movendo-se no corpo ( se a obra tem janela, parede é o nome dela ) cimento e cal sem furo julgam ser um muro. o muro, truvo e mudo, pensa e pensa em tudo : sair daquele escuro e ver a luz do mundo, deixar de ser um muro abrindo em si um furo ainda que esse corte lhe tombe à nula sorte – não sabe como, ainda, mudar a sua química ( rejeita a vil certeza de não ter vista acesa ) deseja em seu chapisco, sim! correr o risco de ter a pele aberta e sentir o que é a janela ; e mesmo sem saber como vai ser outro ser, o muro quer saída, mudar, mover a vida – quer nem que seja a ida da simples dobradiça ; ou algo do porvir que lhe tire deste aqui

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s.f.
a língua é um triste molusco, chora um pranto negro e escuro ( molusco triste é essa língua ) lembra e lambe sua dor fina ; dentro da boca, tal molusco chora a falta do seu casco : quer de volta o tempo justo, voltar pra lenda do passado ; lenda velha, antes da boca, tinha concha e casa, escudo e força, mas, num mistério da matéria perdeu a parte mais eterna – se fez só língua e se desintegra ; a língua é um triste molusco já sem esperança, no escuro, de reaver seu casco, ter futuro, resigna-se com riso de chumbo ; como lhe resta ser mesmo língua, linguagem motor – sempre e ainda – é na boca pá e palavra ( fala igual como quem cava ) cava com o corpo um liso assoalho – chão de carnes gêmeas, molhado, buscando na cabeça o antigo casco : roupa e casa, escudo e agasalho ; a língua é um triste molusco, já não sabe se é carne ou um soluço – sem concha, se reinventa no escuro – sem cara, existe feito um espectro espasmo movimento um obgesto

p

Thiago E, músico em reabilitação labiríntica, professor com problemas de visão, gago integrante da banda Validuaté, com a qual lançou dois CDs: Pelos pátios partidos em festa (2007) e Alegria girar (2009). Com o grupo Academia Onírica, editou zines, o CD Veículo q.s.p. e a revista AO (2010 a 2012). Lançou o CD de poesia Cabeça de sol em cima do trem (2013).