Doce Fruto Escondido: a poesia de Graça Vilhena

Adriano Lobão Aragão

Eis tua palavra / doce fruto escondido / pronto para o pássaro / ou para secar ao sol”. Nesses versos, extraídos de um poema intitulado justamente de Poesia, Graça Vilhena nos apresenta metaforicamente o caminho que busca trilhar em seu labor artístico-literário. Poeta, contista e professora, Graça destila em seus versos diversas sutilezas escondidas pelo cotidiano, muitas vezes invisíveis ao olhar indiferente da urbe e seus transeuntes, ou do universo privativo dos lares e afazeres domésticos, almejando observar e expor a poesia presente em suas sutilezas. Nesse sentido, relembro o comentário tecido pelo poeta H. Dobal: “Graça faz poesia como quem vive: pessoas comuns, o dia se dissolvendo no bico das chaleiras, o sol nos cajus e mangas-rosas da cidade. Por isso, os seus poemas suportam, com vantagem, o teste da releitura, o que é, sem dúvida, um sinal de grandeza.

Nascida em Teresina, autora de Em todo canto (poemas, 1997), O jornaleiro de gesso (contos, 2002), Pedra de cantaria (poemas, 2013), Graça Vilhena nos apresenta um painel lírico e tocante de observações da vida imediata, muitas vezes extraindo o lirismo a partir de pessoas em situação de vulnerabilidade social, como nos poemas Menino no cais (“É um menino pequeno / sob o luar; ao relento / como uma flor no sereno.”), Rua da Glória (“mais além / uma mulher permanecia / sem hora de seus dias / dissolvendo-se em transparências / nas escamas do cais”), Poema comum (“A moça do sim entrou no bar / olhou em volta, o coração em flor / enfeitava-lhe os cabelos / cuspiu semente de noite pelos olhos / e preparou a boca ardentemente / para os beijos mudos.”), dentre diversos outros. Na primeira estrofe de O garrafeiro, por exemplo, Graça empreende uma interessante correlação entre o homem e o espaço no qual habita: “o garrafeiro era apenas um homem / que sobrava das ruas / também sujo de terra e esquecido / como as garrafas e cacos no quintal”. Para o professor Luiz Romero, “sua poesia resgata imagens quase perdidas de cenas da vida social, doméstica e citadina: ruas, casas, sapatos, rinhas, carpetes, meninos, cais… É pura poesia do cotidiano que tem em Cesário Verde e Mário Quintana seus grandes e belos gestos poéticos.”

Além dos elementos aqui mencionados, a poesia de Graça Vilhena não se restringe a temas e formas, abrangendo desde o retrato social, a solidão de marginalizados, mas também se volta para o universo lírico-amoroso com a cadência e a desenvoltura que lhe são inerentes e, como acontece aos bons poemas, desperta em seus leitores o desejo de reler seus versos.

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Adriano Lobão Aragão é autor de Destinerário (poemas) e Os intrépidos andarilhos (romance).

Poesia reunida, Graça Vilhena

VILHENA, Graça. Poesia reunida. Teresina: Quimera, 2018.

– Volume reunindo Em todo canto (1997) e Pedra de cantaria (2013)
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TUA

São minhas essas margens
ombros do rio em que choras
guardando teus peixes
e aflição em correnteza.

É minha a chama
que faz arder a tua imagem fina
e empluma o teu voo.

É teu esse amor que arquiteta
e compõe a nuvem em que pousas
para secar a saliva dos teus vícios.

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COISAS SIMPLES

também tive amor sem cura
que enterrei agasalhado
na bainha de um punhal

hoje quero coisas simples
sem seiva como os gravetos
que o vento não mais assusta
e se quebram sem doer

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Maria das Graças Pinheiro Gonçalves Vilhena nasceu em Teresina, em 10-02-1949. É poetisa e contista, participante da Geração Mimeógrafo ou Geração 70. Formada em Letras, pela Universidade Federal do Piauí e tem especialização em Língua Portuguesa, pela PUC-SP. Leciona Literatura e Redação, no Instituto Dom Barreto. Autora de: Passo a pássaro (poesia, 1997, com William Melo Soares); Em todo canto (poesia, 1997); O jornaleiro de gesso (contos, 2002); Pedra de cantaria (poesia, 2013).