No coração da noite estrelada

Geraldo Borges

Continuariam o romance? Isso pertencia ao futuro, que não passava, como a poesia, de uma viagem rumo ao desconhecido.

A leitura do romance de Rogério Newton, editora Nova Aliança – No coração da noite estrelada, sim, é um romance, cujo roteiro nos leva do começo ao fim, dentro de um ritmo, se não de grande expectativa, nos conduz pelas ruas e becos de uma velha cidade, Oeiras, como se o leitor fosse levado pela mãos de um cicerone. E, além do mais, não foge da estrutura do romance moderno e contemporâneo obedecendo a maioria das funções da narrativa.

Enquanto isso a história vai se desenvolvendo através de um rápido reencontro de jovens que aproveitam uma greve nacional de estudantes para descansar em suas casas, na velha cidade de Oeiras. Aí começa o romance, que deixa transparecer claramente o seu tema.

Trata se de uma história de duas gerações que se contrapõem: a aristocracia rural decadente, tentando perpetuar os valores consagrados pelo seu poder cultural e político, transferindo os para as novas gerações. Essas, mesmo relutando aos velhos valores, não conseguem romper diretamente com a família. Existe muito de sentimental na construção psicológica dos personagens, o que caracteriza um apego quase mórbido pelas ruínas da cidade.

No romance existem alguns personagens símbolos, arquétipos de uma época, como, por exemplo, o padre reacionário, o eremita, característica bem marcante de um cidade provinciana.

Do meio para o fim do romance, após o autor já ter descrito bastante o paisagem urbana e arruinada da velha e antiga capital do Piauí, os personagens principais do romance resolvem, então, editar um jornal nanico. Para publicar suas ideias, dizer alguma coisa, mostrar que estavam vivos. Sacudir um pouco o marasmo da província. As ideias do jornal foram um achado para dar ritmo ao enredo do romance. Um fio de meada para sair de um labirinto das ruínas, e entreter os personagens principais; o romance passa a ser um romance de ideias e não mais um passeio turístico. Cada personagem ficou encarregado de um tema O romance chega ao seu apogeu a essa altura. Aí aparece uma dificuldade, dinheiro, e o jornal vai sendo protelado.

Eis que aparece um personagem poeta, de repente, já quase no fim do romance, de nome Claudio. Parece até que o romance vai recomeçar. Aparece também outra personagem chamada Paloma. Claudio e Paloma, através de algumas páginas do livro tomam conta do romance e compõem um belo conto, dando maior vibração ao romance, colocando uma nova encruzilhada ao destino dos personagens, que povoam o romance. Não sei se o significado dos nomes desses dois personagens dizem alguma coisa através do inconsciente do autor na tentativa de radicalizar a mensagem ideológica da narrativa. Mas de súbito eles aparecem e desaparecem das paginas do romance, cada um de uma forma mais violenta. Ela foi morta pela repressão por que optou pela luta armada , e ele morreu de um acidente de carro.

Finalmente a greve terminou e com ela o romance. “Sofriam com a separação e com o jornal marcado para nascer no dia em que pegariam, de volta, a estrada. Firmaram um pacto; um deles imprimiria o jornal e mandaria exemplares para cada um e para Oeiras. Não esperassem as férias. Era preciso que a cidade recebesse logo aquele biscoito fino, especialmente dedicado a ela.”(capítulo XXXIII)

A promessa do jornal simbolicamente, é o elixir do conhecimento que a nova geração de estudantes adquiriu em sua experiência, e cumpre a sua missão tentando passar para a sua comunidade, no caso especifico, a cidade de Oeiras, contribuindo para que a mesma, não mudando a sua moldura antiga, pelo menos, tenha uma nova visão do mundo. No entanto fica a pergunta. Será se o jornal sairá do primeiro número? Bom. Entre romance e realidade, há muita coisa que não sonha a nossa vã filosofia.

Publicado originalmente em: https://piauinauta.blogspot.com/2016/01/no-coracao-da-noite-estrelada.html

Grão, de Rogério Newton

Entrevista com Rogério Newton concedida a Adriano Lobão Aragão, em janeiro de 2012 e publicada originalmente na coluna Toda Palavra, jornal Diário do Povo

O cronista e poeta Rogério Newton, nascido em Oeiras e radicado em Teresina, autor de Ruínas da Memória (crônicas, 1994), Pescadores da Tribo (crônicas, 2001), Último Round (poesia, 2004) e Conversa escrita n’Água (crônicas, 2006), lançou recentemente Grão, seu novo livro de crônicas. A crônica puxou a conversa e a conversa segue adiante.

Por que Grão?

Fiz como nos livros anteriores: peguei uma das crônicas e dei título ao livro. Aprendi isso com os contistas da década de 70. Grão é um nome curtinho, sugestivo, tem um quê minimalista. Isso me agrada, pois ajuda a tornar o texto enxuto. E se a palavra é curta e polissêmica, melhor ainda.  Na verdade, é uma microcrônica. Levá-la para o título do livro é uma forma de me render à concisão.

Quase todos os textos do livro são voltados para o cotidiano, para uma realidade imediata. Entretanto, o texto Grão é justamente o que mais difere dos outros, seja por sua extensão mais reduzida, por sua temática e até mesmo o estilo, que se aproxima bastante do conto minimalista contemporâneo. Como você avalia esse aspecto?

Você tem razão ao aproximá-la do conto minimalista, e acho que isso atesta uma das possibilidades do gênero, que nem sempre fica adstrito ao que comumente se entende por crônica. Agora, a temática não deixa de ser ecológica (e nesse ponto essa crônica não difere de outras do livro), só que de uma perspectiva cósmica, isto é, a Terra vista do espaço, pequenina como um grão de milho. Acho que você captou bem o espírito da coisa: o vínculo direto que a crônica tem com o cotidiano não deve ser uma fronteira intransponível. Mas aí podemos indagar: qual o significado de “cotidiano”? É somente o circunstancial? A Terra completa seu giro todos os dias, dentro do oceano cósmico. Isso não é um fato cotidiano? 

Como está sendo a repercussão do livro?

A melhor repercussão que o livro poderia ter seria sua venda em livrarias e sua recepção pelo leitor e pela crítica. Que eu saiba, só há um livreiro em Teresina que tem apreço pelo autor local: é o Leonardo Dias.  Por isso, só deixei o livro na livraria dele. Entreguei também alguns exemplares ao Espaço Cultural São Francisco, no Mafuá, onde fiz um dos lançamentos. Mas confesso: não sei como distribuí-lo. Bom seria se tivéssemos um profissional que pudesse fazer esse trabalho. Como não conheço nenhum, uso o tradicional sistema amador, levando a obra aos lugares aonde vou. Gosto muito do contato direto com o leitor, de conversar com ele, saber o que ele pensa. Tenho recebido manifestações de pessoas que já me conhecem como cronista. Alguns escritores e leitores sinceros gostam do que escrevo e fazem questão de dizer para mim. Isso me alimenta. O feedback é vital para o escritor.

Como você avalia o atual panorama literário praticado no Piauí?

Alguns pontos de partida podem ser úteis para essa avaliação: o que se produz literariamente aqui? Como o escritor e o livro são recepcionados pela sociedade? Que instrumentos o Estado e a sociedade possuem para favorecer a criação literária, a editoração de livros e o acesso à cultura? Há o exercício de uma crítica militante? Falo de Teresina, pois desconheço a realidade nas outras cidades. Não sei exatamente quantos livros e revistas foram publicados em 2011, mas talvez tenham sido suficientes para não haver uma estagnação, como a do teatro, que vive uma situação preocupante. Duas editoras, a Nova Aliança e a Renoir, têm publicado – poucos títulos, é verdade -, mas o fato de existirem simultaneamente é algo inédito em Teresina. Acho positiva a ocorrência periódica do Salão do Livro, com todas as carências que possa ter. O surgimento da revista da Academia Onírica é um sopro de vitalidade. A continuidade da Desenredos é também um exemplo de vitalidade e rigor, que considero indispensáveis. O fato de Assis Brasil estar residindo entre nós, participando ativamente da vida literária, é um alento auspicioso. Além de grande escritor, é um exemplo de longevidade criativa que todos nós devemos celebrar. Em relação à participação do Estado, considero-a praticamente nula, e nesse ponto acho que há um retrocesso que já dura uma ou duas décadas. Tenho muita vontade de saber como se dá o ensino de literatura nas escolas, as abordagens usadas e principalmente as consequências desse ensino. Sobre uma crítica militante, acho que nunca a tivemos. Suplementos literários de jornais poderiam ser veículos para expressão da crítica especializada, mas não os há entre nós. O crítico também deveria ser um profissional remunerado para exercer seu trabalho.

P