Entrevista com Halan Silva

Entrevista concedida a Adriano Lobão Aragão, em 2012.

Lançado durante o Salão do Livro do Piauí, Salipi, 2011, Cambacica é mais nova criação de Halan Silva. Uma novela ambientada na Teresina dos dias atuais, repleta de referências intertextuais. Nascido em Campo Maior, em 1970, graduado em Filosofia (UFPI) e Direito (UESPI), mestre em Educação e Estudos Culturais (ULBRA- RS), Halan Kardeck Ferreira Silva publicou 16 poemas (Edições DesLivres, 1995), As formas incompletas: apontamentos para uma biografia (Oficina da Palavra/Instituto Dom Barreto, 2005), Representação e identidade cultural do vaqueiro no cinema novo (Nova Aliança, 2010) e, agora, Cambacica (Nova Aliança, 2012), mote para a conversa que se segue.

Adriano Lobão Aragão – Poesia, biografia, ensaio e, agora, novela. A que se deve essa diversificação em sua obra?

Halan Silva Não sei bem o motivo da diversidade de minha escritura. Sinto vontade de fazer e faço (dentro de minhas limitações). Ultimamente estou escrevendo um romance ambientado em minha terra, Campo Maior, não sei se vou conseguir… No início, escrevia poesia, mas creio que a poesia é o “gênero” literário mais elevado que há, não é à toa tanta verselhada por aí. A minha percepção estética me obriga a destruir noventa por cento de minha produção. Veja que se meter pelos caminhos estreitos da estética só pode ser um ato de loucura. Ernesto Sábato largou tudo pela literatura, passou  até por dificuldades financeiras, porém escreveu El tuneo. Não sei o que me prende à literatura, apenas sinto um prazer que não encontro noutros lugares: na religião, no dinheiro ou na política. De outro lado, entendo que aquele que  escreve quer se comunicar com o mundo, ainda que escrever seja um ato de solidão, mas de uma solidão que não é sinônimo de isolamento ou amargura. Enquanto estiver vivo, vou lendo e escrevendo, pois é impossível ser escritor sem antes ser um leitor.

Adriano – E seu livro Cambacica, como se originou?

Halan Depois de ler A hora da estrela, de Clarice Lispector, desta vez numa edição especial,  resolvi escrever uma novela de ficção ambientada em Teresina, isso durante os dez primeiros anos do século vinte e um. Tudo partiu da epígrafe do Livro: “Pergunta: toda história que já se contou no mundo é uma história de aflições?”. Então, eu resolvi  contar, não exatamente uma história, mas os fragmentos de uma história de amor aflito. Através desses fragmentos eu mostro Teresina no meio de um processo de transição de uma cidade pequena para uma cidade grande: De um lado, mostro os preconceitos de uma aristocracia atrasada; de outro, mostro o processo de urbanização que vai mudando a significativamente a paisagem natural e cultural de Teresina. Outro dia alguém me falou que eu deixei muita coisa de fora. Isso é a mais pura verdade, deixei. É que não pretendia fazer um inventário minucioso da cidade. A ideia era mostrar pontos de vista que poderiam ser reconhecidos pelas pessoas da cidade. O Salgado Maranhão me falou que Cambacica era uma novela infanto-juvenil e provinciana, mas não creio que seja isso não. Curioso! O Caio Douglas achou que eu escrevia à moda antiga, como ele disse parecido com o estilo de Machado de Assis, essas coisas… Embora Cabacica possa parecer sintético, eu digo que ele não é, pois deixei lacunas a fim de tornar o leitor participativo na narrativa. É impressionante como no Brasil ainda se mede um bom livro pelo número de páginas. Quando o O. G. Rego de Carvalho escreveu Ulisses entre o amor e a morte, recebeu todas as críticas possíveis – infundadas a maior parte delas, é certo hoje. Disseram que Ulisses era autobiografia (e que não é confissão na existência de um homem?), que ele não sabia escrever, que ele não tinha mais assunto, o diabo. Para mostrar que sabia escrever, o O. G. fez  Somos todos inocentes e recebeu o prêmio Coelho Neto da ABL. Durante muito tempo ele não divulgou essa premiação (ele me falou do prêmio nos anos oitenta e me pediu que guardasse sigilo).

Adriano – O.G. Rego de Carvalho foi uma grande influência?

Halan O O. G Rego de Carvalho é um belo cidadão (há um humorista que fica fazendo graça imitando o caminhado do O. G. Rego de Carvalho. Não vejo graça nenhuma, ele devia respeitar o O. G. Rego de Carvalho, pois se ele tem aquele aspecto é por conta da enfermidade). Na juventude, ele foi muito aguerrido e atuante na cidade, mas veio a doença e dele fez o que bem quis. Ele é uma influência para todos nós que gostamos de boa literatura. O jantar, que é o primeiro capítulo de Cambacica, é uma homenagem ao O.G Rego de Carvalho. O Gilvani Amorim entendeu tudo. Ele disse: “o primeiro capítulo parece do O. G. Rego de Carvalho”. No capítulo Nossa Senhora do Rosário faço um intertexto com ele, lembra que em Somos todos inocentes há uma passagem em que o personagem Raul está jogando damas? pois é, fi-lo jogar com o Dr. Ferraz… Também faço um intertexto com Assis Brasil, mais precisamente com Beira Rio Beira Vida. Dou um desfecho que ele, deliberadamente, deixou para o leitor fazer, ou seja, o destino de Luiza e Mundoca. Alguns capítulos fazem referências a outros autores: Graciliano Ramos, Miguel Torga, Machado de Assis, Manuel Bandeira.

Adriano – Promover, divulgar um livro é uma tarefa tão árdua quanto escrevê-lo?

Halan Divulgar um livro é sempre doloroso, no Piauí o doloroso vai para o superlativo. Você publica um livro e simplesmente nada acontece. O O. G Rego de Carvalho teve a sorte de receber uma série de críticas negativas no jornal O Piahuy. Tivesse ele escrito hoje, não teria espaço nos jornais de Teresina, que destina boa parte de suas páginas à coluna social (aquelas notinhas de elogio fácil). Não existe mais no país o jornalismo literário e as universidades, as públicas mormente, só produzem dissertações e teses (produzem bem), as revistas de circulação nacional fazem indicações comerciais de livros de grandes editoras. As escolas do Piauí, por hábito de consumir somente o que vem de fora, simplesmente ignoram a produção local. O governo e os municípios também ignoram a produção local. Não adianta só publicar, é preciso que haja circulação das publicações para fomentar o mercado editorial local. Os intelectuais do Piauí são, na maioria, os que leram e não lêem mais, não falam nada porque não leram absolutamente nada do que vem sendo publicado. Tudo me parece paradoxal, pois na era da informação e da tecnologia, que facilita a editoração, estamos cegos pelo excesso de luz  e aturdidos ante tantas publicações, que loucura! O professor Cineas Santos disse que no Piauí há mais escritores do que leitores e isso, ao que me parece, compromete a circulação do livro. Veja que no Rio Grande do Sul a coisa é bem diferente. Os escritores gaúchos não precisaram sair de lá para acontecer: Mário Quintana, Dionélio Machado, Josué Guimarães, Érico Veríssimo e Luís Fernando Veríssimo, enfim. As escolas públicas e privadas o adotam e eles são valorizados. O Leonardo Dias, depois que o Cineas deixou de editar, vem se arriscando por essas águas, mas o risco de afogamento é alto. Não pensem que sou pessimista, o Cineas disse-me que ninguém iria ler meu livro, que tudo ia dar em nada. O livro Ataliba, o vaqueiro, de Francisco Gil Castelo Branco, passou cem anos no limbo e ressurgiu das cinzas (e foi muito bom). Franz Kafka teve quarenta leitores, Konstatinos Kavafis teve meia dúzia, Fernando Pessoa, em vida, só editou Mensagem e a repercussão em Portugal foi branda. Charles Baudelaire não viu a repercussão de sua poesia e por aí vai. Um certo professor da cidade disse que os autores piauienses não sabiam escrever, que ele escrevia melhor (embora nunca tenha escrito nada). Discordo. Assis Brasil ganhou o prêmio Walmapi duas vezes e ainda o Prêmio Coelho Neto da ABL. O. G. Rego de Carvalho ganhou o Coelho Neto da ABL. H. Dobal, que era avesso à política literária, ganhou o Prêmio Jorge de Lima do INL, o Mário Faustino fez o que fez… Procurem saber quem são os escritores contemporâneos de São Paulo, do Rio, de DF, de Minas, de Santa Catarina, do Paraná, da Bahia… Não devemos nada a ninguém, é tudo uma questão de ignorância e de preconceito.

 Adriano – O que fazer diante dessa ignorância e desse preconceito?

Halan Resta seguir em frente, não dá para voltar. O Villa-Lobos dizia que escrevia cartas para o futuro e não aguardava resposta. Portanto, nestes tempos sombrios, em que já não há solidez  no mundo, publicar é antes de tudo um ato de esperança. Escrever é lutar contra ignorância, inclui-se a do autor. Digo isso por que o Mário Faustino pregava que o escritor medíocre não era inofensivo, posto que compromete seriamente a língua, enquanto que o escritor superior a engrandece.

Adriano – E quais os próximos passos do escritor Halan Silva?

Halan Como disse, no momento estou escrevendo um romance que se intitulará Atoleiro. Neste trabalho, faço uma viagem ao passado de  Campo Maior, que foi uma cidade próspera, marcada por uma linda paisagem. É para mim o maior desafio que me propus, não sei se vou conseguir. Depois, pretendo publicar alguns poemas que venho traduzindo por meio de um processo de recriação literária. O H. Dobal, que traduzia muito bem, dizia-me que para se traduzir um poema não era necessário um conhecimento aprofundado da língua alienígena, mas duas coisas essênciais: 1) Uma boa percepção poética, 2) E um conhecimento razoavel da língua para onde se vai fazer a tradução, ou melhor, a recriação poética. Como entendo que poesia é sempre algo pessoalíssimo, venho traduzindo os poemas que me agradam (esse é o critério). Pretendo fazer uma publicação alternativa, fora do mercado editorial (tipos as edições que você, Adriano, costuma fazer). Se a divina providência me favorecer, gostaria de encerrar a minha incursão escrevendo um livro de poemas. Ao dizer isso, afirmo que para mim a poesia, arte como um todo, diferentemente da ciência, que vale-se da verdade proposicional, tem um quê de mistério que me encanta, embora há quem diga que a possua por inteiro, mas eu me recuso a acreditar nisso. No dia que a arte for tomado como verdade proposiciona, eu desisto dela. Ah, estava esquecendo. eu e o João Kennedy, com base em depoimentos, estamos organizando a biografia do professor Cineas Santos, que a despeito do que possam pensar seus detratores, é uma pessoa de grande importância para a cultura do Piauí.

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Adriano Lobão Aragão é autor de Os intrépidos andarilhos e outras margens (romance, 2012) e  Destinerário (poemas, 2019), dentre outros. www.adrianolobao.com.br