Agulha de coser o espanto, Diego Mendes Sousa

SOUSA, Diego Mendes. Agulha de coser o espanto. Teresina: Área de Criação, 2023.

.

CERTEZA

Poesia
é o pássaro
afogado
no mar

o peixe alado
sobre a terra
firme

a luz fugidia
na manhã

o diáfano
no deserto

o rosto
sem tempo

a matéria
sangrenta

o vento
estático
da vida

e o segredo

Poesia
é a fé
e a febre

a dor e o amor

o olhar
no silêncio
e o degredo

a mudez do grito
a vela do incêndio
a ausência
do destino

Poesia
é o pensamento
é o sentimento
é o deslumbramento
desse canto
amargo

Antes de tudo
e depois do nada

o fim do começo
e o início do fim

Poesia
é a mãe
do mistério
e a solidão
da sombra

(a casa
íntima
da alma)

Poesia
é a agulha
de coser
o espanto

a vaga lírica
a tristeza da alegria
magra

o encanto

.

A CASA

A casa desabriga o mínimo
e abre o tempo que perpassa
sob os alardes ferozes do vivido.

Os lençóis de linho.
As paredes intactas.
Os quadros imóveis.
As camas confessas,
os travesseiros de algodão,
os habitantes
desaparecidos do lugar.

Os segredos da família, o seu desamparo
além de todas as cousas adiadas e pressentidas,
os seus desejos violentos e a sua insônia.

A casa abriga o máximo e deixa desabrigado o mínimo.

As tardes interrompidas, o absurdo paralisado.
As sobras que predizem
o não dizer.
O rosto insular.
Pedaços da dor, alimentos. Seus restos.

Os guizos do silêncio.
Os sinos, a mesa posta.
Aventura da memória farta.
Mãe. Pai. Vô. Vó. Irmãos.
Febre e deslumbramento.

A casa sobrevive em sua turbulência
de sombra e solidão possuídas.
Detida por arranhões, os alicerces rompidos.
Noturna e ferida
por procelas não esquecidas.

A casa hospeda o íntimo,
a árvore, a genealogia, os quintais,
as mangueiras da infância,
os pássaros imaginários, os bens audíveis da alma,
o espelho e as suas trincas,
as alegrias e as tristezas.
A casa,
o seu ser risível,
a profecia do estranhamento
que reabita
anuncia
sentimentos, alucinações
e os seus próprios vazios.

A casa e o seu interior.
A fala agressiva. Provocações.
Manhã envelhecida.
E outra vez
os seus sóis.

A casa expulsa o íntimo e o seu mínimo.
As raízes. As lembranças do amor.
As fantasias mais cruéis.
O olhar deveras possessivo e os seus fantasmas.

p

Diego Mendes Sousa nasceu em 1989, em Parnaíba, PI. Poeta, cronista, crítico, memorialista. Autor, dentre outros, de Divagações (2006); Fogo de alabastro (2011); Velas náufragas (2019) e Rosa numinosa (2022).

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