As cinzas as palavras, Adriano Lobão Aragão

ARAGÃO, Adriano Lobão. As cinzas as palavras. 2.ed. Teresina: Desenredos, 2014.

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ENTÃO

em perene forma permanece em idade e fortuna
tudo que no tempo não muda nem tempos nem vontades
nem mentira nem verdade penetra a forma profunda

somente em mim depositou-se irrelevante mudança
talvez desnecessária dança que o cair das folhas trouxe
talvez inseto da noite que de seu brilho descansa

quem sabe silêncio de outrora agora outra hora propaga
antes de ilusão inata à matéria apurar sua volta
em perene forma precisa mas dispersa inexata

somente em mim depositou-se irrelevante reverso
de não mais crer nos versos dessa inútil lira agridoce

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AS CAPAS OS DISCOS

ontem eu vi o disco da vaca à venda na galeria
onde há muito naqueles campos estranhos me perdi
entre os riscos do vinil motocicleta e sinfonia

ontem eu vi um velho em um quadro carregando lenha
adornando em parede destroçada a capa de um álbum
e a iluminada escuridão de um dirigível de chumbo

ontem eu vi o álbum branco que depois de muitos anos
pude perceber as matizes dispersas de suas cores
e seu discreto nome de besouro impresso em relevo

mas há muito dispostos em silêncio seus sons evocam
sonora imagem retida na retina da memória

P

Adriano Lobão Aragão nasceu em Teresina, 1977.  Autor, dentre outros, de Entrega a própria lança na rude batalha em que morra (poemas, 2005), Yone de Safo (poemas, 2007) e Os intrépidos andarilhos e outras margens (romance, 2012). A segunda edição de As cinzas as palavras mantém o texto original da primeira edição, lançada em 2009 e que contou com uma tiragem limitada de apenas 80 exemplares.

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