Tá pronto, seu lobo?

MACHADO, Paulo. Tá pronto, seu lobo?. 2.ed. Teresina: Corisco, 2002.
– Poemas

POST CARD 57/77
à memória do artista plástico Fernando Costa

na praça marechal deodoro
às nove horas falavam
da udn e do american-can

na praça marechal deodoro
às nove horas há velhos com suas memórias
recompondo o tempo

um louco jaime fazia ponto no cruzamento
da barroso com a senador pacheco sem saber
que existia a guerra fria

no cruzamento da barroso com a senador pacheco
há um sinal que não raro
encrenca desafiando a rotina

quinta-feira era dia de matar o tempo
na praça pedro segundo enquanto os sapos
copulavam nos lajedos do tanque

quinta-feira é um dia qualquer
e na praça pedro segundo a mudança notável
é a da posição da estátua que parece sorrir

nas tertúlias do clube dos diários
uma geração embarcava no marasmo
esquecendo tudo mais

não há tertúlias no clube dos diários
as baratas medrosas saem das bocas-de-lobo
admiram os caixotes de cerveja empilhados e fogem

nos canteiros da avenida frei serafim
os cupins construíam suas casas
fiando estranha quietude

nos canteiros da avenida frei serafim
putas acenam com gestos medidos
a fome é mais forte que o medo

no bar carnaúba o sol roía o marrom
das tabículas das mesinhas
e os homens de casimira cinza faziam planos

não há bar carnaúba mas os homens
de casimira cinza continuam fazendo planos
cogitando não aceitando irreverências

na paissandu os bêbados
pregavam a subversão
e um bolero esquentava as entranhas da noite

a paissandu agoniza
os bêbados já não falam tanto
e a frieza da noite venceu o calor dos boleros

nas calçadas da simplício mendes
um rosto magro madalena deixava brotar
estranhamente um sorriso largo de espera

madalena morreu de câncer
e nas calçadas da simplício mendes
nada há que lembre sua presença

no mercado central pretas carnudas
vendiam frito de tripa de porco
fígado picado e caninha

no mercado central negrinhos descarnados
catam laranjas e limões podres
em plena manhã de maio

no cais do parnaíba piabas prata
saltavam das águas barrentas
como no sonho dos meninos

o parnaíba continua lavando as almas pagãs
dos meninos fujões
roendo as pedras do cais com a mesma fúria

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ARQUIVO
ao contista M. de Moura Filho

adão andou nas mãos dos paisanos
e foi encontrado na praça da liberdade
como um mamulengo esquecido detrás do palco:
olhos abertos, boca cerrada, músculos petrificados,
sangue coagulado nas narinas.

adão virou manchete
na pose três por quatro
na última página de o dia

hoje, é um número qualquer
arquivado
à espera dos cupins.

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Paulo Henrique Couto Machado nasceu em Teresina, Piauí, em 1956. Advogado. Defensor público. Poeta e contista. Pertence à Geração Pós-69. Participou de coletâneas e antologias. Ganhou alguns prêmios literários. Na década de setenta, fez política estudantil e editou, ao lado de companheiros de geração, o jornal mimeografado “ZERO”. Integrou o grupo responsável pela edição do jornal alternativo “Chapado do Corisco”, em 1976 e 1977, em Teresina. Publicou Tá Pronto, Seu Lobo? e A Paz do Pântano, livros de poesia. Integra a comissão editorial de literatura da revista Pulsar.

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