Sensores, Valéria Silva

SILVA, Valéria. Sensores. Teresina, Área de Criação: 2025.

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NOTÍVAGA

Um toque profano triunfa em meu coração
Carrega-me pelas noites embriagadas
Dos becos desabitados
Das casas em penumbra
Entrego-me.
Os copos cheios e os goles ávidos
Arrastam a dor pela minha garganta.
Escorrendo pelo meu peito
Arranca o senso
Apaga o amanhã e a memória de mim mesma.
Corpos feitos dóceis
Camas fáceis
Histórias amargas…
A correnteza dos meus olhos
Banha meu corpo quase vivo.

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DÁ LICENÇA?

Não me peçam paciência
Carrego a pressa do pouco tempo a fruir.

Não me peçam insurgência
Faço-me de antigos hábitos a me perseguir.

Não me peçam urgência
Aprendo associada ao tempo a advir.

Não me peçam potência
Minha fraqueza me mostra a hora de desistir.

Não me peçam indulgência
Escolho os espíritos torpes obstruir.

Não me peçam prudência
Vivo sem medo o agora e o devir.

Não me peçam reticências
Só pude ser assertiva e viver sem fingir.

Não me peçam desistência
Aprendo na luta quão decisivo é insistir.

Não me peçam permanência
Morro a cada instante no caminho a descobrir.

Não me peçam coerência
Estou fadada ao erro, após cada acerto atingir.

Não me peçam excelência
Sigo incompleta, fazendo-me no existir.

Não me peçam!
Não me peçam…
Vivam, se puderem
E me deixem viver.
Contraditoriamente…
Humanamente…
E isso é tudo.

p

De dentro de mim partiu a última caravela, Rubervam Du Nascimento

DU NASCIMENTO, Rubervam. De dentro de mim partiu a última caravela. Leiria, Portugal: Arquivo Bens Culturais, 2021.

Poemas | Prêmio de Poesia Francisco Rodrigues Lobo

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Provoco noite a errar caminho de volta do exílio da voz
você nunca foi deportado para um país que não existia mais
Acho graça nas pétalas transformadas em buquê de lama
nas ovas em ilusão de bolas de gude na trilha de crustáceos
na dobra da blusa a esconder abelha do beijo mortal da flor
Esmago odor do charuto do mangue a embriagar meu chão
uso cheiro do capim do braço para esfregar frio do nariz
Convenço mimosa a fechar-se ao toque do insulto do dedo
arranco pela raiz erva daninha a sugar água da minha areia
Transporto correr de hora no fundo de palha do meu patuá
colho por onde passo cacos da manhã pisada pelo escuro
Última caravela partiu de dentro de mim carregada de fogo
para irrigar osso no campo de plantio do dia do meu amado
e do sol

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Não adianta cativo da desforra da borduna
fazer pose de senhor do céu do mar da terra
negar à zoada do terreiro naco de seu miolo
declarar-se fundador de escola de mágico
Não adianta querer substituir azedo da fome
no ponto de engolir fatia de ponte de melão
por semente de nuvem caída do tamarisco
Não adianta fingir transportar seu fantasma
exigir pressa à alma a vagar pelo oceano seco
em procissão de exílio ao horizonte de lona
Seu espírito será vomitado por não se permitir
ser derramado em lugar da voz da manhã
da garganta do pântano do meu amado
e do sol

p

Rubervam Du Nascimento é de São Luís do Maranhão, nordeste do Brasil. Viveu 46 anos em Teresina, capital do Estado do Piauí. Reside actualmente em Santo André, na Grande São Paulo. Formação acadêmica em Ciências Jurídicas e Sociais. Integrou a Coordenadoria de literatura da revista “Pulsar”, editada no Piauí, na ‘década de 80’. Participa de Feiras de Livros, Festivais Literários, com a Leitura Poética: O Prazer da Língua, iniciada em Maputo/Moçambique, em 2011, levada a vários estados brasileiros e a diversos países. Livros de poemas editados: A Profissão dos Peixes (2ª edição, revista e diminuída – Editora Códice/DF/Brasil, 1993); Marco Lusbel Desce ao Inferno (Editora Blocos/RJ/Brasil, 1997); Às Vezes, Criança – Um Quase-Retrato de Uma Infância Roubada, com fotografias de Sérgio Carvalho (Tribunal Regional do Trabalho, TRT-7 /Fortaleza/CE/Brasil, 2012); Os Cavalos de Dom Ruffato (Recife-PE/Brasil, 2004); Espólio (Scortecci Editora/SP/Brasil, 2007) e Dandaras (plaquete com 22 poemas, impressa manualmente em Buenos Aires/Argentina – Sangre Editorial/Caravana – coleção 32 – MG/Brasil, 2019)