O poema é o bicho

Que tipo de bicho é o poema? Neste livro, doze poetas transformam versos em bichos (e vice-versa). Uns miúdos, outros imensos, todos pulsando vida. Gata, girafa, formiga, lagarta, passarinho, tigre, borboleta… cada criatura se reinventa em palavra. Leia devagar: pode ser que uma joaninha resolva acompanhar a leitura pousando no seu ombro. Se preferir, pode até colorir. [Adriano Lobão Aragão / Thiago E]

uma zoologia poética

A coletânea de poemas, a ser lida a seguir, reúne doze poetas contemporâneos, arregimentados do Piauí, do Maranhão e da cubana Pinar del Rio. A aliança pretende nos dizer da vitalidade, da atenção ao sopro da poesia de nosso tempo. Além disso, “o poema é o bicho” aprofunda a escolha e traz todos os poemas encilhados em mimese zoológica, sumarizando uma espécie de bestiário poético. A mobilidade verbal dos poemas investe na percepção diante dos bichos e seus condicionantes biológicos, suas curiosidades instintivas, além de lhes serem dadas outras atribuições semânticas e imagéticas pelo olhar do(a) poeta, inspecionando assim nosso irresoluto dialético entre natureza e cultura.

Outra concentração aqui encontrada atende à poética da brevidade. A concisão, a celebração da síntese como conduto estrutural do poema, o breve contrapondo-se ao caudal lírico são a fatura resultante. Alguns assumem as lições dos poetas japoneses Bashô e Issa com a essencialidade do haicai, essa tradição que se espalha há tempos pelo poema brasileiro e que já ganhou dicção pindorâmica. E como a língua portuguesa não dispõe de escrita ideogramática para a possibilidade visual do poema, a coletânea recorre ao signo gráfico como representação, cada poema recebe sua nomeação iconográfica. Aos cuidados de Adriano Lobão, os traços também avultam em concisão e seguem a economia de informação, trazendo a figuratividade no contorno e no residual do grafismo em preto e branco.

Esta apresentação seguiu também a sintaxe da brevidade, restando ao leitor e leitora a complementaridade com a recepção a esta fauna poética.

Feliciano Bezerra
Professor de literatura (UESPI),
cantor e compositor

O poema é o bicho. Coletânea de poemas organizada por Marleide Lins e Thiago E, com ilustrações de Adriano Lobão Aragão [Teresina:  AvantGarde, 2025]. Participaram do livro: Adriano Lobão Aragão, Aliã Wamiri Guajajara, Cineas Santos, Demetrios Galvão, Laís Romero, Luiza Cantanhêde, Marian Campelo, Marleide Lins, Nelson Simón, Sergia Alves, Thiago E e Wanderson Lima.

Estas flores de lascivo arabesco

BEZERRA, Feliciano. SOARES, Wellington. (org.) Estas flores de lascivo arabesco. Poemas eróticos piauienses. Teresina: Fundação Quixote, 2008.

– Coletânea de poemas eróticos de Adriano Lobão AragãoChico CastroDurvalino CoutoElio FerreiraEmerson AraújoKeula AraújoLaerte MagalhãesMarleide LinsNílson FerreiraSalgado Maranhão.

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TEU CORPO AO DORMIR MEU CORPO BUSCA

Adriano Lobão Aragão

teu corpo ao dormir meu corpo busca
em teu colo se debruça
minha face que teu cheiro aguça

minha face tua face
minha mão que tua mão segura
enquanto dorme
e segura minha mão a mão tua

teu corpo ao dormir me procura
e sobre minha perna tua perna perdura
e sobre tua perna a minha imita a mesma postura
e dura infinito neste sono a minha carne dura

encosta na minha a face tua
encosta em mim por todo sono
o seio o lábio a vulva
e deixa assim junto o sonho
de sempre habitá-la nua

e quando a mim à noite assim se debruça
mais que teu corpo meu sonho busca

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I
Marleide Lins

Língua gêmea
onda que se aveluda
invade a fremir a senda

trazendo o que extrai da gruta
sente o sêmen da concavidade fêmea
e serve-se no convexo da fruta

P